No anfiteatro do povo, as bandeiras eram desfraldadas nas arquibancadas, cânticos vinham de toda parte, enquanto os craques desfilavam no gramado. Assim como no Carnaval, via-se uma kizomba: a festa da raça. Desconhecidos se abraçavam. O grito de gol vencia, por magnetismo, o espírito do apartheid. A luz democrática abençoava a legítima expressão popular.
Para o brasileiro, o futebol jamais se apresentou como mero entretenimento. A publicidade moderna vende esse mote com um indisfarçado viés financeiro. O modelo, porém, soa estranho. Entreter a mente é o mesmo que distrair-se, esquecer, por horas, a realidade. A quem interessa desviar o olhar do povo, retirar-lhe a filosofia?
Nestas terras, o futebol tem uma dimensão sociológica, artística e, por que não dizer, política. O antigo Maracanã era palco de misturas, protestos e êxtase. Deixou de ser. O alto preço dos ingressos fechou a porta para o trabalhador assalariado. Garis, operários, motoristas de ônibus, vendedores ambulantes e empregadas domésticas não são mais vistos, como antes, no outrora “maior do mundo”.
O espaço que nasceu com a poética vocação da eternidade foi mutilado. Encolheu. Ficou irreconhecível. Subtraíram-lhe a alma. Deixaram-no órfão de povo. Se visse o que fizeram do Estádio Mário Filho, Nelson Rodrigues talvez não encontrasse inspiração para escrever as crônicas que encantaram gerações.
Com ares de nostalgia e crítica social, o Brasil cultural pede passagem para rememorar uma página épica da nossa história.
Ricardo Walter